São Jerônimo [...] vos dirá claramente que quando se celebra Missa por qualquer alma do purgatório, aquele fogo tão devorante suspende o seu vigor, e aquela alma não sofre pena alguma durante todo o tempo da Santa Missa.¹ Além disso, afirma que:
“Em cada Missa, muitos saem do purgatório e voam ao Santo paraíso”.²

Acresce que esta caridade, exercida em favor das pobres almas, redundará inteiramente em vosso proveito. Eu poderia vos apresentar uma infinidade de exemplos em apoio desta afirmação. [...].

Um menino ficou órfão de seus pais, sendo recolhido na casa de um irmão seu, que o maltratava a ponto de deixá-lo andar descalço, todo rasgado, fazendo com que sofresse uma soma de todas as penúrias. Sucedeu que um dia o menino achou na rua uma moeda qualquer, imaginai a sua alegria e como lhe pareceu ter achado um tesouro. Mas, com o que gastaria? Muitas coisas sugeriam-lhe à sua necessidade. Por fim, depois de muita reflexão, resolveu dá-la a um sacerdote para que celebrasse uma Missa pelas santas almas do purgatório. Podeis acreditar?

Desde então, a sorte mudou para ele. Recolheu-o outro dos irmãos, mais compassivo, que o amou como um filho, deu-lhe roupas convenientes, mandou-o à escola, contribuindo assim para que ele se tornasse um grande homem e um grande santo, ornamento púrpuro [Cardeal] e forte sustentáculo da Igreja, que subiu aos altares como São Pedro Damião.

Oh, bem-aventurada Missa! Que ajuda ao mesmo tempo os mortos e os vivos, que alcança graças no tempo e na eternidade. Dado que estas almas santas são tão gratas a seus benfeitores, que chegando ao Céu, elas se constituem seus advogados e jamais os abandonam até que os vejam de posse da glória.

─ São Leonardo de Porto Maurício, O Tesouro Oculto - méritos e excelências da Santa Missa

MEDITAÇÃO

A ETERNIDADE DO INFERNO É TERRÍVEL, MAS JUSTA

Non dabit Deo placationem suam… laborabit in aeternum– “Não dará a Deus a sua propiciação… estará em trabalho eternamente” (Sl 48, 8)

Sumário.Digam os incrédulos o que quiserem: as penas do inferno durarão eternamente. E com razão. À ofensa de uma Majestade infinita é devido um castigo infinito. Sendo, porém, a criatura incapaz de sofrer um castigo infinito em intensão, é justo que o seja em duração. Quantos daqueles que não quiseram crer nesta terrível eternidade, experimentam-na agora em si mesmos! Ai daquele que cair no abismo infernal!

I.As penas da vida presente passam; porém, as da outra vida não passarão nunca, estarão sempre principiando. Pobre Judas! Passaram-se quase mil e novecentos anos desde que caiu no inferno e o inferno está apenas principiando para ele. Pobre Cain! Há perto de seis mil anos que está no inferno e o seu inferno ainda está no princípio. Perguntou-se certa vez a um demônio há quanto tempo já estava no inferno; e respondeu: Desde ontem. — Como? Disseram-lhe; desde ontem? Não há mais de cinco mil anos que foste condenado ao inferno? — Tornou o demônio: Oh! Se soubesses o que quer dizer eternidade, bem compreenderias que em comparação dela cinco mil anos não são senão um instante.

Mas como? Dirá um incrédulo; que justiça é essa? Castigar com uma pena eterna um pecado que dura apenas um momento? E como é, respondo eu, que o pecador pode ter a audácia de ofender, por um prazer momentâneo, uma Majestade infinita? Até a justiça humana, observa Santo Tomás, mede a pena, não pela duração, mas pela qualidade do crime.Non quia homicidium in momento committitur, momentanea poena punitur. A ofensa feita à Majestade divina merece castigo infinito, diz São Bernardino de Sena. Mas, como a criatura, acrescenta o Doutor Angélico, não é capaz da pena infinita em intensidade, é com justiça que Deus torna a pena infinita em duração.

Além disso, esta pena deve ser necessariamente eterna, porque o condenado já não pode satisfazer pelo seu pecado. Nesta vida, o pecador penitente pode satisfazer, porquanto podem ser-lhe aplicados os merecimentos de Jesus Cristo; mas desta aplicação fica excluído o condenado, e visto não poder aplacar a Deus, e ser eterno o seu estado de pecado, a pena deve também ser eterna:

Non dabit Deo placationem suam… laborabit in aeternum — “Não dará a Deus a sua propiciação… estará em trabalho eternamente”

— Demais: ainda que Deus quisesse perdoar, o réprobo não quisera ser perdoado, porque a sua vontade está obstinada e confirmada no ódio contra Deus. Por isso o mal do réprobo é incurável, porque ele recusa a cura:  Factus est dolor eius perpetuus, et plaga desperabilis renuit curari (1).

II.Eis aí, pois, o estado lastimoso dos pobres condenados no inferno: ficarão encerrados eternamente nesse cárcere de tormentos, sem que haja para eles esperança alguma de sair. Depois de passados milhões e mais milhões de séculos, os desgraçados perguntarão aos demônios:

Custos, quid de nocte? (2)— “Guarda, que viste de noite?”

Já está muito adiantada esta noite procelosa? Quando acabará? Quando acabarão estes clamores, esta infecção, estas chamas, estes tormentos? E hão de responder-lhes: Nunca, nunca! E quanto tempo durarão? Sempre, sempre! E assim a trombeta da justiça divina eternamente lhes fará soar aos ouvidos estas palavras: Sempre, sempre! Nunca, nunca!

Ó meu amado Redentor Jesus, se atualmente estivesse condenado, como mereci, não haveria mais esperança para mim, e estaria obstinado no ódio contra Vós, ó meu Deus, que morrestes para me salvar. Que inferno seria para mim o ter de odiar-Vos, a Vós que tanto me tendes amado, que sois a beleza infinita, digno de amor infinito? Se estivesse, pois, no inferno, achar-me-ia em tão miserável estado, que nem quisera o perdão que me ofereceis agora. Agradeço-Vos, meu Jesus, a bondade que tivestes para comigo, e já que posso ainda esperar o perdão e amar-Vos, quero reconciliar-me convosco, quero amar-Vos. Ofereceis-me o perdão, e eu Vô-lo peço e espero-o pelos vossos merecimentos.

1. Quem se rememorará de ti e rogará por ti depois da tua morte? Faze, faze agora, caríssimo, o que te for possível, pois não sabes quando morrerás, nem, tampouco, o que te seguirá depois da morte. Enquanto tens tempo, reúne imortais riquezas. De nada cogites fora da tua salvação. Cuida, somente, das coisas que são de Deus. Venerando os santos de Deus e imitando-lhes as virtudes, faze agora amigos, de sorte que, quando te extinguires nesta vida, sejas por eles recebido nos tabernáculos eternos."

2. Considera-te, neste mundo, peregrino e hóspede que nada tem que ver com os negócios da terra. Conserva o teu coração livre e elevado para Deus, porque não tens, aqui, pátria permanente. Para o céu é que deves dirigir, todos os dias, as tuas preces e os teus lacrimosos gemidos, a fim de que, depois da morte, mereça o teu espírito passar, felizmente, ao Senhor. Amém.

Retirado do livro: Imitação de Cristo. Capítulo XXIII

Da Meditação Da Morte

1. Mui depressa te concluirás neste mundo; vê, pois, como te avéns; hoje o homem está e amanhã não comparece. Tirado que seja de vista, perde-se lhe logo a memória. Que insensatez e dureza do coração humano, em cuidar, somente, as coisas presentes, sem mais olhar para as futuras! De tal modo deves conduzir-te por ações e pensamentos, como se, hoje mesmo, houveras de morrer. Se fora boa a tua consciência, não temeras muito a morte. Melhor fora evitar o pecado, que fugir da morte. Se não estás preparado hoje, como estarás amanhã? O dia seguinte é incerto, e como sabes que os haverás amanhã?"

2. Que nos aproveita vivermos tanto, se nos emendamos tão pouco? Ah! Nem sempre a longa vida traz correção; antes, muitas vezes, aumenta as culpas. Oxalá um só dia tivéramos bem vivido neste mundo! Contam muitos os anos da sua conversão; frequentemente, porém, é diminuto o fruto da emenda. Se morrer é tão medonho, muito mais, talvez, ainda o seja viver por muito tempo. Ditoso quem, sempre, tem em vista a hora da morte e se dispõe, cada dia, a morrer. Se já viste alguém perecer, pensa que, pelo mesmo caminho, tu irás também.

3. Lembra-te, pela manhã, que podes não chegar à noite. Chegando, porém, a noite, não ouses esperar pela manhã. Prepara-te sempre, pois, e de tal sorte vive, que nunca te encontre a morte despercebido. Muitos morrem inesperada e repentinamente, pois que, quando menos se pensar, o Filho do homem há de vir. Quando vier essa última hora, bem diversamente começarás a julgar de toda a tua vida pretérita e doer-te-á bastante teres sido tão negligente e remisso.

4. Quão prudente e feliz aquele, que se esforça por ser, agora, em vida, como deseja sê-lo na morte! Pois o que dará grande confiança de morrer venturosamente é o perfeito desprezo do mundo, o fervente desejo de crescer em virtudes, o amor da disciplina, o trabalho da penitência, a prontidão na obediência, a renúncia de si mesmo e a paciência em sofrer, por amor de Cristo, qualquer adversidade." Havendo boa saúde, mui fácil é praticar o bem. Uma vez, porém, enfermo, não sei de que serás capaz. Poucos se emendam com as enfermidades. Assim também os que andam em contínuas peregrinações, santificam-se raramente.

5. Não confies em amigos e parentes, nem difiras para o tempo futuro a tua salvação, porque olvidar-se-ão de ti os homens, mais cedo do que pensas. É preferível fazer, oportunamente, provisão de boas obras e enviá-las com antecipação, que descansar no auxílio dos demais. Se não és solícito atualmente contigo, como sê-lo-á outrem depois? Mui precioso é o tempo atual: agora os dias de salvação, o período aceitável. Mas, que pena que não o gastes melhor, podendo conseguir com ele o viver eternamente! Tempo, porém, virá, em que desejarás um dia e uma hora para emendar-te, e não sei se os conseguirás.

6. Ah, caríssimo, de quantos perigos te livrarias, de que temores poderias te desviar, se atualmente estivesses sempre receoso e desconfiado da morte! Aplica-te, desde já, a viver de tal sorte que possas, à hora da morte, antes alegrar-te, que temer. Aprende, agora, a morrer para o mundo, a fim de que comeces, depois, a viver com Cristo. Sabe, ora, desprezar tudo, a fim de que possas, então, ir, livremente para Cristo. Castiga hoje, pela penitência, o teu corpo, a fim de que possas, então, ter confiança certa.

7. Ah! Que loucura! Como cuidas que hás de viver muito tempo, se um só dia não tens seguro? Quantos se deixaram enganar e, de improviso, foram dos seus corpos arrancados! Quantas vezes tens ouvido dizer que se finara um pela espada; outro afogado, este, caindo do alto, partira a cabeça; aquele, comendo, expirara; esse outro, recreando-se, morrera? Que um se terminara pelo fogo, outro pelo ferro, este pela peste, aquele assassinado por ladrões? E assim, pela morte tudo sempre acaba, e a vida do homem, qual sombra passa, em um instante!